domingo, março 04, 2007

As lendas nunca morrem


Lembro-me com nostalgia do ano de 82. Cheiro a relva dominical e estádio cheio no velhinho São Luis em Faro. Leões de Faro e Águias seculares do mundo jogavam jogo de paixões diferentes mas mesmo assim ambas em ebulição fervilhante. Os de Faro regressavam à primeira divisão após quase terem descido aos infernos da terceira nacional. Os de Lisboa esses ansiavam o titulo lusitano comandados por um tal de Sven Goran Eriksson. Recordo-me com saudade do clube da minha cidade natal - meu primeiro amor futebolistico- pontificarem nomes como o internacional canarinho Gil ou os internacionais lusitanos Ademar e José Rafael. No lado dos Diabos Vermelhos uma ala esquerdista de sonho : Alvaro e Chalana. Meio campo com um Sueco chamado Glenn Stromberg, o calvo mas eficiente Nunes e os carismáticos Diamantino e Carlos Manuel. No ataque as águias voavam com um alto, tosco e eficiente dinamarquês de seu nome Maniche, acompanhado de um rato refinado de área chamado Néné. A defesa não era de aço mas assegurada pelos veteranos Bastos Lopes e Humberto Coelho. Na Baliza não pude deixar de rir com as diferenças entre os dois keepers dos templos sagrados algarvio e lisboeta. Para os lados de Faro um brasileiro alto e elegante chamado Celso, qual vedeta cinéfila, pensava eu no alto dos meus esverdeados 8 anos. No lado do inimigo um homemzinho baixo e cabeludo, com rosto desconfiado e luvas gigantescas que pareciam não se encaixar nas suas pequenas mãos de mortal. 20 mil nas bancadas ecoando no espirito dos 22 em campo. Batalha de deuses pensava eu na qual os leões comeriam as águias. Aos 5 m a primeira explosão de alegria anuncida em minha mente : Pereirinha ganha um ressalto, cruza para a área e o ágil Gil penetra nas redes vermelhas. Caminho fácil pensava eu - puro engano - O baixinho cabeludo vociferou com os seus indo buscar a bola ao fundo do templo violado. Bem...depois...um vendaval de festival ofensivo dos vermelhos que golearam o meu clube de infância e de primeiras mitificações por 6-2. Mas a imagem que me fica naquela tarde solarenga de futebol diabólico foi o factor transcendental ditado por uma figura atípica nas balizas encarnadas. Baixo, ar desajeitado, bigode farto e cabeludo que nos primeiros 20m de jogo "roubou" dois golos ao meu clube do coração. No final do jogo perguntei ao meu pai quem era aquele guarda redes sui géneris . O meu pai indignado olhou-me suprendido com a minha ignorância e disse-me uma palavra que eu não esqueci até hoje : Bento. Assimilei o jogo e a derrota. A partir dai resolvi ter 2 paixões futebolisticas : Benfica e Farense. Até hoje não me esqueço do meu baptismo de futebol ter sido feito numa tarde suprendente em que descobri que o inicio era o verbo, depois do verbo veio a palavra impressa. Depois disso o mito que se escrevia com letras de homem comum chamado Bento. A partir dai soube no meu íntimo que os deuses invejam os homens e seus momentos de glória térrea que os elevam a deuses mortais, mitificados pelos gritos quentes da multidão e por vezes movidos pela inveja da vergonha de suportarem os heróis de aço eleitos pela turba, esses mesmos deuses injustos do Olimpo, nos roubam de forma cruél e repentina os heróis feitos de sangue e aço conquistado a ferros de dor. Aconteçeu isso com Damas, Pavão, Zé Beto e agora com Bento. Talvez no Olimpo os deuses percebam o erro de terem como adversário um keeper baixinho e cabeludo que lhes vai roubar o néctar das vitórias fáceis e programadas. Acautelem-se portanto os deuses : Já se diz baixinho nos balneários do Olimpo...Bento chegou...

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