Lembro me como se fosse ontem que a 24 estava a jantar entre amigos na Ribeira do Porto, saboreando uma vitela no tacho a derreter languidamente na boca e um vinho do Douro que adornou mais uma noite na Adega de São Nicolau.
Saímos por volta das 23h30 e tive ainda tempo para um cigarro contemplativo numa noite amena, em que a vista, como usual, era (é) um postal nocturno convidativo em que o Rio guarda e delimita as margens entre Porto e Gaia.
Recordo-me da madrugada em que o horror emergiu e ficar horas colado com o meu Pai ao telefone entre o desespero e impotência e a raiva incontida que nos permitiu matar Putin virtualmente (mas de forma convicta) vezes sem conta com requintes de malvadez pérfida e toques extremos de um filme de terror de quinta categoria.
O desespero agudizante dos primeiros dias deu lugar a uma esperança sem aparente lógica racional de que os bravos Ucranianos iriam prevalecer estóicos contra a máquina de guerra do czar sem trono e saudosista da antiga Rússia imperial em que o direito seria divino de obliterar povos e esmagar a resistência de quem pensa livre e vive em democracia imperfeita mas alicerçada nos valores básicos dos direitos comuns que unem os indivíduos.
Deixei de ter ilusões e lirismos: Somos todos filhos do sangue destes tempos angustiantes. No entanto sempre a esperança de que, como em outros tempos do tempo histórico e tangível, a bravura (justiça) e determinação (razão) irá derrotar o cinismo atroz da desinformação e do ódio puro e duro.
Sempre ouvi dizer que não se combate um bruto ou um rufia com a razão do equilíbrio (infelizmente). Por vezes só a espada pode deter a espada, só o martelo pode responder ao martelo.
Assim aconteceu (acontece).
Desesperei, revoltei-me, destilei textos de fúria durida , (re)tweets programados em grupo ou na pulsão individual, inundei tudo o que destilasse Putin e sua máquina de terror atroz. Escrevi e (re)escrevi, debati, fui insultado por guardas pretorianas extremistas e mansas no espirito seguidista de matilhas antigas com pastores a soldo que prestam vassalagem a um decrépito mundo que já não tem lugar nos tempos do presente (aprendi que nas redes sociais existem fanáticos pagos e não pagos...).
Um ano após o inicio de tempos atípicos, a Ucrânia resiste e insiste no caminho da luta de um direito de nascença de qualquer nação: Ser livre de grilhetas e mordaça.
Como devem intuir não sou apologista da guerra e da morte. Nada apagará os mortos, os estropiados e os órfãos de ambos os lados da barricada.
Nada apagará duas gerações de povos varridas do mapa.
Nada apagará o ano mais angustiante das nossas vidas.
Nada apagará o dilúvio obsceno de morte que Putin e seus sequazes lançaram ao mundo (eles e só eles esqueçam lá o resto...)
No entanto...
Um ano depois a Ucrânia resiste (e insiste).
Afinal o Czar ia nu...
Afinal Kiev não caiu em setenta e duas horas...
Afinal o "presidente-palhaço" não fugiu...
Contudo...
Nada está ganho
Nada está perdido
Tudo está em aberto...
Ressistiremos à fúria dos brutos, se possível com negociações, se possível com compromisso.
Mas lutaremos... ao lado dos Ucranianos com a pena e a caneta, com os punhos e com as armas, com a resiliência de quem não se dobra perante o mal.
(Cada um luta como sabe como pode)
Ganharemos (muitos)... Perderão (alguns tantos)...
Nós os filhos do sangue destes tempos malditos.
Nós os proscritos dum tempo sem lei
Nós os que não calamos (e lutamos)