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sexta-feira, maio 01, 2020

Diário de um Quarentão (em "quarentena") Parte III



A varanda novamente como companheira num dia que amanheceu tardio com nevoeiro britânico e chuva fugidia mas cíclica no seu eterno regresso. Portátil no colo anichado, os pés do costume (despidos) com a alma cheia de pensamentos (o isolamento momentâneo da pandemia faz nos pensar "mais  e mais vezes").

Divido hoje a escrita  em pequenas gotas soltas que gravitam entre o Abril que marca a  minha (nossa) história, o Maio da libertação (será?)  e as anotações de um futuro que terá raios de sol no meio do nevoeiro cinzento e da chuva restritiva (no final prevaleceremos adianto já...)



1.

"O Maio do nosso (des)contentamento"


Dia de todos os que labutam e lutam nesta vida por vezes repleta de barreiras...dia do trabalhador mas também do combate às assimetrias das crianças ( os trabalhadores do amanhã...muitas infelizmente já trabalhadores do hoje...) . 



Data de todos aqueles que ainda recebem o chicote da injustiça global, que em tempos de pandemia a histeria e a prepotência não ganhem...ganharmos todo unidos na fé de uma nova versão humanista em que o "nós" se sobreponha ao "eu" hedonista (egoísta).



Maio marcará o (re)inicio dos nossos pequenos passos para uma (a)normalidade que tenderá a ser diferente e com muitas dúvidas e incertezas.


Os medos que antecedem a antecâmara de novos tempos marcarão o nosso novo gatinhar. Que as fake news, populismos dos ditadores (eleitos ou não...) e a cultura maldizente do "bota a baixo" não vingue e que aprendamos com estes tempos de incerteza...na certeza que para sobrevivermos social, económica e politicamente teremos que reconstruir e reescrever novos conceitos.

2.
"Abril revisitado"

Nunca a porra de um período de trinta dias me pareceu tão longo e custou tanto a verter tempo não sorvido nem saboreado com os padrões de carga emocional normalizados, no entanto nunca os telefonemas e video chamadas me pareceram tão bem, nunca um copo de vinho foi tão lentamente saboreado ou as emoções delgadas se transformaram muitas vezes em olhos marejados de agua húmida mas temperada com um quente arrebatador de sentimentos por vezes antagónicos.

Abril do nosso contentamento nacional da democracia que o dia vinte e cinco trouxe e arrebatou, da minha satisfação pessoal de ao longe sentir ao perto os quarenta e seis anos que unem os meus pais na aventura de uma vida (casaram dois dias depois da revolução dos cravos de setenta e quatro). Abril de sentimentos mil...Abril longo...estupidamente longo...Abril diferente...Abril maldito...amaldiçoado mas para recordar no horizonte das memórias que nos fazem crescer por caminhos inusitados.


3.

"O futuro já hoje"


Mudo o portátil para a posição de repouso, derramo um telefonema rápido com um amigo de longa data, inspiro e retenho o olhar no céu com nuvens e com a ameaça de mais uma carga de água que invadirá o meu jardim e que rapidamente ganhará espaço no chão despido da varanda de pedra branca apenas manchada pela naturalidade das folhas velhas e ramos quebrados arrastados por um vento diferente que se revela desde o último cigarro fumado na madrugada após mais uma sessão de cinema tardia fruto da falha do sono reparador de mágoas e elixir de novas esperanças. 



Tenho encarado esta porra toda dos últimos meses o melhor que sei e que posso; chorei amiúde, ri me também muitas vezes mas essencialmente reforcei laços e (re)conheci-me melhor como pessoa e como ser humano. Incapaz de me fechar na minha concha, estendi a minha mão sedenta e muitos retornaram-me o acto (misto de medo e coragem) sem dramatismos apenas com a naturalidade de quem precisa do "nós" para poder sobreviver (viver) no "eu" (todos nós).



O futuro é já hoje, no meio das pedras e rochedos, do negro do espectro do desemprego, na ansiedade do exemplo (por exemplo) de um pai e duma mãe com as incertezas que estes novos tempos ditam; tenho a convicção na minha tranquilidade (absolutamente humana, não tranquila e corajosamente borrada de medos e incertezas) que sobreviremos entre a penumbra que teimará em nos querer cegar e que o sol, a areia fina e o mar sem cor serão o nosso futuro.



Portanto borrem-se de medo, encham-se de dúvidas e receios mas caminhem em frente entre escombros e ruínas nascerão novos alicerces que nos permitirão (re)conquistar o futuro. Estejam atentos e não servis, receosos e prudentes mas sem medo de arriscar e caminhar. 



É assim que traçarei meu trajecto, e é assim que os meus pés descalços na varanda ficarão molhados com a  chuva mas se alimentarão do sol e da alma que os iluminará rumo ao caminho do amanhã....

sábado, abril 11, 2020

Eanes: O Último dos Moicanos

Recordo-me dos meus primeiros aromas políticos ás "cavalitas" de meu Pai (e pela mão sábia e carinhosa da minha Mãe) e do mítico cinema ao ar livre de São Luis onde vislumbrei Maria Lurdes Pintassilgo ao vivo e a cores no inicio da década de 80.

De miúdo imberbe e curioso com toda a plástica do mise en cene envolvendo a política e seus intervenientes, passei para a pré adolescência rebelde onde no cinema Santo António vi as lágrimas de meu Pai no entusiasmo de fé desesperada e emocional  perante a  derrota eminente de Mário Soares (um guerreiro) VS Freitas do Amaral (um cavalheiro) em oitenta e seis.

Cresci na esquerda da esfera das lutas democrática e plurais de grandes figuras com a sedução pelas  suas imperfeições hiperbólicas e das suas virtudes morais e de combate (figuras de esquerda, centro e direita note-se...).

Ramalho Eanes representou sempre para mim a verticalidade, o poder de liderança pacifica e a capacidade humanista (ironicamente não militarista...) de unir pontos aparentemente díspares da sociedade portuguesa pós vinte e cinco de  Abril.

Sempre analisei este General sereno com um ar (falsamente) austero como alguém fora da órbita partidária tradicional e de todas as guerras (muitas de alecrim e manjerona) dai adjacentes. Figura consensual para muitos, odiado ora  por uma  certa esquerda mesquinha presa no tempo passado  recente do 25 de Novembro (e não só...) e por um centro/direita com o pudor de um conservadorismo (quase) saudosista do salazarismo bafiento; Eanes imperturbável seguiu o seu próprio caminho com a serenidade (leia se seriedade) somente ao alcance de alguns.

Tudo desagua na recente entrevista (para quem não visualizou link aqui) na RTP 1 em que a frase emocionada em que menciona que sendo um "velho" tem obrigação (ele e os "outros") de ceder o seu ventilador, se necessário, a um "homem com mulher e filhos".

Assisti com atenção a criticas construtivas, a não concordâncias bem fundamentadas mas também a um chorrilho de asneiras de pseudo iluminados tentando dar um sentido bem diferente ás palavras emocionais e sábias de Eanes (a meia hora de entrevista para mim é uma ode de inteligência de um grande Homem).

Para mim Eanes merece um titulo de filme de sucesso: Certamente o "último dos (bons) moicanos"....








terça-feira, setembro 25, 2018

Paradoxos da Tangência


A vida é feita de tangentes, verdade para mim vivenciada vezes sem conta desde os tempos tenros até ao presente galopante que cavalga o dia a dia sempre apressado que corrói, constrói e (des)contrói.

Uma tangente e seu paradoxo corresponde ao fio da navalha com duas lâminas aguçadas: Uma para o "jardim do bem" outra para o "jardim do mal". Confusos?!...nada de muito complicado para interiorizar e intuir.

Aquele olhar á tangente, no limite do "fora de jogo", olhar que foge para alguém com o qual não nunca mais nos iremos cruzar na vida, olhar que mata, olhar que fere, olhar que ama. A tangente de um passo mal dado ou de uma ultrapassagem (quase) mal calculada (na estrada da vida).

Todos nós vivemos nos limites dos sonhos que perseguimos, daquele metro que passou há um minuto e nunca mais apanharemos com a disformidade de rostos e situações potenciais nas quais não seremos envolvidos pela tangente (perdida) de um minuto que pode representar a mudança de direcção de uma vida inteira.

Tudo se mede afinal  pelos metros que apanhamos, pelos comboios que perdemos, pela ultrapassagem que (não) fazemos numa qualquer auto estrada ora cheia de trânsito, ora vazia e oca somente preenchida pela luz dos sinais e seus códigos de cores.

Ao fim ao cabo um "para-arranca" eterno no qual estamos presos e condenados ao limbo que as nossas escolhas nos ditam.

Tudo é um paradoxo e uma tangência, ora o que fazemos, ora o que não fazemos. Rumos e ultrapassagens a velocidades variáveis. Como a vida: Uma imensa mescla, misturada com a irregularidade que as ondas do mar nos proporcionam.

Mas o que seria da vida sem paradoxos, tangências ou reconstrução de ciclos e abertura de novos trilhos para caminhar?!