"Recordo-me como se fosse ontem"...seria o início adequado e politicamente correcto, mas não...não me recordo já de forma tão nítida desse dia negro que ficou marcado pelo cheiro da morte a ecoar em directo nas mainstreams views das tvs mundiais.
Julgo que me levantei a correr após mais uma noite longa. Na altura relações públicas de variadas estruturas, aproveitava a chegada tardia a meu apartamento para, no silêncio da noite, escrever textos para uma publicação digital ( no tempo pre histórico da internet) que possuía também versão mensal em papel.
Tinha combinado ir de manhã a minha Universidade de Formação ( U.Fernando Pessoa) beber um café com os amigos de sempre. Cheguei atrasado como usual na época, no momento exacto em que o segundo avião rasgava o céu azul e penetrava de forma bruta e seca o betao da segunda torre do World Trade Center.
Como milhões, assisti em choque ao acto hediondo que marcou também a minha geração do desenrascanço mor. Nada foi igual depois dessa manhã, nada ficou igual após esses dezasseis minutos que mudaram a face do nosso mundo e nos deram a conhecer o terrorismo em directo e com rostos definidos.
Rapidamente o burburinho habitual do bar da minha universidade foi substituído pelo silêncio pensativo somente interrompido pelo barulho do ferro de mais uma cadeira arrastada para alguém se sentar em silêncio e observar in loco a barbárie da carne queimada, da terra ensanguentada e dos mergulhos dos suicidas conscientes que preferiram a morte livre em voo picado contra o solo do que se submeterem à ditadura das chamas do fogo terrorista.
Não me recordo como se fosse ontem, no pormenor no rigor factual, mas até hoje nunca me esqueci da sensação de terror, vazio, revolta e impotência que senti...para mim onze de setembro escreve- se com a alma pesada e o coração em tons de fogo forte e ferro e betao retorcido (derretido). Também na esperança tola e talvez exçessivamente lirista de que o voo de todos os jumpers, que preferiram morrer pela queda livre e não envolvidos nas chamas criminosas, representasse o início do fim do medo colectivo e o primeiro passo na vitória contra o terrorismo travestido de religião.