Nasci na terra moura de Faro. Sempre sonhei com castelos e masmorras e actos heróicos de libertação divina feita pelas mãos ásperas dos pescadores e dos homens de senso comum com capacidade de sofrimento fora do vulgar terreno. Existem coisas que vocês só podem compreender se tiverem alma moura e sangue misto negro-avermelhado com tons de aventuras desaventuradas. Somente assim vocês podem aferir de que ser Algarvio é um estado transcendente mas imperfeito de espirito, bebido num cacto impregnado de mescalina em qualquer deserto marroquino. Somos marroquinos, pretos, árabes e mestiços. Somos filhos da impureza boa de tempos já idos e da leviandade dos homens de se assumirem enquanto homens. Criticam o nosso - aparente - espirito de corsários da costa mercantil. Chamam-nos de "mercenários"; jogam-nos sempre em cara "as ementas no algarve são escritas somente em inglês", "vocês são arrogantes", "vocês têm a mania que são bons". Sinceramente respeito (pouco) essas sapientes opiniões mas contesto-as ao sabor dos ventos sazonais do globo. Nós somos feitos de uma massa vulcânica imortal e persistente; crente e sonhadora, dotada de uma sensibilidade nostálgica de sonhar em frente. Na finada semana comentava com um amigo de longa data - eu com alegria de um adolescente - o facto do meu Farense estar apenas a 1 ponto da linha de subida de divisão (da 1ª distrital para a III divisão). estupefacto ele não compreendia a minha alegria, alegando que a nossa queda no abismo deveria reflectir apenas tristeza e luto eterno. Simplesmente o meu bom amigo não compreende que só podemos provar o sabor revigorante do néctar dos deuses quando descemos às profundezas dos abismos sombrios. Afinal ser algarvio é isso : A capacidade de auto-superação e regeneração perante as ondas incertas da rotação da vida terrena.
